Se a paciente ou
seus familiares ouviram do médico que se trata de uma doença grave, ele
certamente não exagerou. A Anorexia tem índice de mortalidade entre 10 e 30%,
portanto maior que muitas doenças que as pessoas sabem que são graves
As causas de morte são metabólicas,
cardiovasculares, imunológicas, infecciosas e gastroenterológicas.
De uma maneira geral:
A Anorexia Nervosa é muito mais
freqüente em adolescentes do sexo feminino do que masculino. Pode aparecer na
idade adulta e quanto mais tarde aparece, melhor é a evolução.
Anoréxicas não acham que estão
doentes nem aceitam se tratar.
Nas páginas de depoimentos, as
bulímicas procuram tratamento, incentivam outras a se tratar, etc. Quase não
existem depoimentos de anoréxicas. Geralmente elas preferem trocar idéias sobre
laxantes, diuréticos técnicas de provocar vômitos e sobre como enganar a
família e o médico.
OBS.: Se alguém perdeu peso por causa
de alguma doença consumptiva, ou endocrinológica ou de um Depressão grave,
evidentemente não se pode falar de Anorexia Nervosa.
Para
os pais:
Na primeira consulta os pais querem
ouvir tudo sem "dourar a pílula". Em poucos dias acham que o médico
foi muito "duro", "radical", ameaçador", etc.
Meses depois verão que essa
"dureza" tinha sentido. Por mais que os pais e os médicos achem que
estão controlando a situação, as Anoréxicas são sempre mais espertas. Pelo
menos no começo.
Não acreditem em quem promete um
jardim de rosas para o tratamento. Em Anorexia Nervosa não existem jardins de
rosas.
O desgaste para a família,
terapeutas, médicos e acompanhantes é grande. Raramente a paciente se trata por
muito tempo com a mesma equipe que diagnosticou e iniciou o tratamento.
Sintomas e sinais:
- Emagrecimento. Anoréxicas
com 42 Kg são consideradas de peso bom. Freqüentemente o peso chega a 36
Kg ou menos.
- Vômitos. Provocados com
os dedos, com cabos de colher, com arames, com contrações abdominais, etc.
Elas vomitam no banheiro, no chuveiro, em vasos de plantas, sacos
plásticos, papel higiênico, onde for possível. Se não vomitarem se sentem
sujas por dentro e completamente "estufadas" por terem comido um
grão de ervilha.
- Quando se consegue que
elas façam refeições com a família, sempre há um motivo para saírem da
mesa logo que acabam de comer. Geralmente vão ao banheiro vomitar em
segredo. " Amenorréia (interrupção da menstruação). A menstruação
pode cessar antes de perda de peso grave (a desnutrição não é a única
causa da amenorréia) e pode voltar antes de um ganho de peso importante.
- Destruição do esmalte
dentário (por causa dos vômitos).
- Pele seca e amarelada,
cabelos finos, secos e quebradiços (pela desnutrição).
- Excesso de exercícios físicos.
- Visão distorcida do
próprio corpo. As anoréxicas nunca acham que estão magras o suficiente.
Elas se olham no espelho e vêem os seios e o abdomen grandes demais.
- Uso (geralmente
escondido) de diuréticos, laxantes, hormônios de tireóide e pílulas para
emagrecer.
- Comorbidade (doenças
concomitantes) com Depressão, DOC principalmente alternância de fases com
Bulimia.
- Isolamento social. São
retraídas, pouco expansivas, quase sem amigos, não tem namorado,
- Adoram cozinhar e servir
comida para os outros.
- Geralmente são meninas
inteligentes, perfeccionistas e bonitas.
- Acham que o tratamento é
totalmente desnecessário. Vão ao médico apenas para que a família as
deixem em paz.
- Alternância com fases de
Bulimia, quando comem tudo que está pela frente, a ponto dos pais terem
que trancar a despensa da casa.
Causas:
A causa determinante é desconhecida. Quem já viu uma Anoréxica de 40 KG
sair de um coma e continuar sem nenhuma crítica da situação sabe que o problema
não pode ser apenas emocional.
Provavelmente existem componentes psicológicos e biológicos:
- Psicológicos: Anoréxicas
se imaginam tolhidas, sem liberdade, sem autonomia, controladas demais
pela família, mesmo que objetivamente não o sejam. Explicações
psicanalíticas sobre dificuldade de assumir o papel feminino, de se
identificar com a figura materna etc., podem ser um assunto interessante
para se discutir mas não costumam trazer benefícios para as pacientes.
- Biológicos: familiares de
anoréxicas podem sofrer de Distúrbio Obsessivo Compulsivo, Depressão,
Bulimia, Pânico, Tricotilomania. O tratamento é eficaz com medicamentos
que também agem nessas patologias.
Tratamento:
O principal objetivo do tratamento á ganhar peso. É aí que a coisa toda
complica. Começa o famoso "enquanto não descobrir a causa ...",
"quando descobrir a causa ...", "não adianta obrigar a comer enquanto
não descobrir o porque..." etc.
O fato é que as pesquisa mostram que o mais importante de tudo é
normalizar o peso. Mesmo que seja contra a vontade da paciente. Pode ser
através de muita paciência dos pais à mesa, pode ser através de recompensas e castigos,
pode ser através de hospitalização. O importante é que ganhe peso.
Mas os pais, os leigos e muitos profissionais ainda acham que "tem
que descobrir a causa", portanto o tratamento mais eficaz, que é o ganho
de peso através de tratamento hospitalar quase nunca é feito.
Na prática, a internação hospitalar acaba sendo o último recurso, quando
o estado de emagrecimento chegou num ponto em que a paciente começa a correr
risco de vida.
- Ou seja, a
hospitalização, que deveria ser o primeiro recurso, acaba sendo o último.
Bem, como na prática elas não são internadas, tenta-se tratar com:
- Antidepressivos.
Porque eles diminuem o caráter compulsivo dos vômitos, da distorção da
auto-imagem, porque eles agem no Sistema de Neurotransmissores que estão
alterados nessa doença. O tempo de espera para começar o efeito é de várias
semanas; além disso a paciente não aceita estar doente e não quer tomar
remédios (a não ser aqueles que a façam perder mais peso). Portanto aí já
começa a primeira batalha entre os pais e a paciente. Existem muitos
Antidepressivos diferentes e pode ser que as primeiras tentativas não tragam resultado.
Nesse caso, é preciso ter paciência para uma tentativa com outro medicamento,
que também precisará de algumas semanas para ser avaliado.
- Psicoterapia.
É muito importante, embora geralmente as pacientes só vão ao Terapeuta
para que a família as deixe em paz. Esse é um dos motivos pelos quais a
Psicoterapia não se aprofunda, fica arrastada, parece que é um castigo semanal
para a paciente. A forma de Psicoterapia mais eficaz é a Cognitivo
Comportamental (TCC).
- Orientação Nutricional.
Para a família:
Prepare-se para uma luta de anos. A família tenta ajudar mas a paciente
não quer ser ajudada.
A necessidade de controlar o peso e alimentação, os cuidados para que ela
tome o remédio certo e para que não tome os laxantes são uma batalha diária.
Melhoras iniciais, no começo de cada tratamento não significam nada. O
tratamento se arrasta por anos a fio.
As recaídas e a cronificação com baixo peso e isolamento social são mais
freqüentes do que a cura completa.
As pacientes mudam de médicos com a esperança de "dar um baile"
mais fácil A família se cansa e procura outras alternativas.
Por mais desgastante que seja o tratamento, existe um fator que a família
nunca pode esquecer: o aumento de peso pode curar uma Anorexia mesmo que esse
aumento de peso seja forçado. Nesta época de todos serem politicamente corretos
e procurarem causas e explicações para tudo, é difícil convencer as pessoas
disso, mas os trabalhos científicos comprovam cada vez mais essa antiga
constataçao.
Leia o depoimento de uma anoréxica, que ilustra bem tudo que
foi escrito.
"Com 12 anos, 1.60 de altura e 49 kg me achava gorda e
tinha vergonha da minha barriga. Achava bonito modelos magras tipo Shirley
Mallmann. Comecei a fazer um regime "básico" e me exercitar. Com 13
anos pesava 36 kg e ainda me achava gorda. Fazia de 1 a 2 horas de exercício 6x
por semana. Então comecei a vomitar e de vez em quando "atacar a
geladeira. Sem perceber tinha me afastado de todos meus amigos, chorava muito e
tinha vontade de morrer. Me sentia tonta e minha mãe resolveu me levar no
médico. Ele receitou que 3x por semana fosse ao hospital tomar soro. Minha mãe
acatou mas eu reagi e disse que estava me sentindo bem e que amanhã comeria
direito. Então me levavam, a força, para fazer soro 1x por semana. Com isso comia
menos ainda porque pensava que o soro engordava. Com 32 kg, minha mãe estava
desesperada descobriu que estava vomitando. Foi quando descobrimos a Dra. X.
Aceitei ir pq pensei que iria ser como os outros médicos; eu dizia que não iria
comer e não comia. Com 30 kg e muito desnutrida ela queria me internar pq
estava com anorexia nervosa. Na primeira semana não cumpri nada. Quando voltei
eu e meus pais levamos uma bronca. Aí meus pais começaram a ficar em cima
mesmo. Mas ainda assim burlava-os e escondia comida nos bolsos e vomitava
depois. Proibida de exercícios acordava de madrugada para me exercitar. Logo
mamãe descobriu. A Dra. X me deu uma semana para aumentar de 500g a 1 kg se não
iria me internar. Eu achava que meus pais nunca iriam permitir. Na outra semana,
quando fui me consultar havia perdido 200g, então falou com meus pais e se eu
não fosse internada ela se negaria a me tratar, acabei sendo internada. No dia
23 de dezembro de 1997 com 30 kg e 13 anos fui internada no hospital Y, foi
quando começou o período mais difícil do tratamento, comecei a dizer que iria
fazer greve de fome, a Dra. me deu 4 dias para aumentar 400g e trouxe a sonda
ao meu quarto mostrando o que iria acontecer se eu não começasse a comer, vi
que eu não tinha outra opção e comecei o comer. Mesmo internada eu continuava
colocando comida dentro dos bolsos e vomitando em vasos de flor, meu banheiro
ficava chaveado 24 horas por dia e quando precisava ocupá-lo uma enfermeira me
acompanhava. Restrita de visitas de familiares e amigos eu chorava muito, foram
3 meses e meio de sofrimento. Voltei para casa na Páscoa para fazer um teste de
como eu me comportaria. Como me comportei e comia direitinho não voltei mais
pro hospital. a Dra. liberou os exercícios, comecei nadando duas vezes por semana.
Quando voltei pra casa não saía de casa porque me achava gorda e não queria que
ninguém me vice assim. com 1m e 56 kg me achava gorda e tive uma pequena
recaída. Fui forçada a recuperar ou voltaria para o hospital, novamente não
tive saída e voltei aos 50 kg com muito esforço. Chegou o verão e eu só ia pra
piscina de maiô pois tinha vergonha da minha barriga. aos poucos, com os
exercícios minha barriga foi se definindo e minha auto estima subindo. Hoje
faço academia 2 vezes por semana e de dois em dois meses vou fazer revisão na
Dra. X, ainda faço terapia com minha Psiquiatra 2 vezes por mês. Estou com
1,65m de altura e 51 kg. Aindo tenho um pouco de medo de comer mas, também
tenho medo de recaídas. Hoje tenho consciência de que se não tivessem me internado
o tratamento, em casa, jamais daria certo."